“Como é que alguém consegue se equilibrar em cima daquelas coisas?” Essa foi a minha reacção da primeira vez que vi umas Hoka. Isto foi em 2015 e desde aí a minha curiosidade manteve-se até que… acabei comprando umas em 2017, precisamente na altura em que estava lesionado e não podia correr! Manias!
Na altura estava indeciso entre as Mafate Speed 2 e as Speedgoat 2. O maior agarre, pelo menos em teoria, e um maior à vontade em terrenos técnicos foram as razões que me levaram a escolher as Speedgoat 2. E já agora, e como a Carina gostou das Speedgoat originais, vieram também umas para ela, para servir de comparação…
As Speedgoat, tanto as originais como esta segunda versão, são inspiradas e foram desenvolvidas em conjunto com o “lendário” ultra maratonista americano Karl “Speedgoat” Meltzer que actualmente detém o recorde de vitórias em corridas de 100 milhas, 38. Entre outras façanhas do agora treinador destacam-se: Mais corridas de 100 milhas ganhas num ano (6 em 2006 – 5 em 2007 – 5 em 2009 – 4 em 2005), 16 anos seguidos com pelo menos uma vitória numa corrida de 100 milhas. Recordista de vitórias nas seguintes provas: Hardrock 100 – 5 vitórias, Wasatch 100, 6 vitórias, Massannutten 100, 4 vitórias, San Diego 100, 3 vitórias, Squaw Peak 50, 5 vitórias. Karl Meltzer detém ainda o recorde do maior número de buracos de golfe jogados em 12 horas, 230.
As Speedgoat originais eram umas sapatilhas para correr depressa em terrenos técnicos, mas originaram algumas críticas por parte dos utilizadores, especialmente a forma demasiado estreita na frente e uma certa instabilidade geral da sapatilha. Com as Speedgoat 2 a Hoka One One procurou corrigir os principais “defeitos” da primeira versão alargando a forma e a sola, e se pusermos as duas sapatilhas lado a lado, esse alargamento é evidente. Vamos lá ver se o conjunto funciona ou não.
Os números das Speedgoat 2
Peso: 290g no tamanho 43
Altura da meia sola: 32mm atrás e 27mm na frente (Drop 5mm)
Sola: Vibram Megagrip com tacos multidireccionais de 5mm
Palmilha anti-bacteriana Ortholite de 4mm – conforto garantido
Disponíveis nos números 40 a 50 (homem) e 36 a 44 (senhora)
Quantidade de cores disponíveis capaz de satisfazer todos os gostos
Primeiras impressões
À vista – São bonitas e vistosas (as minhas são as amarelas, vermelhas, azuis, verdes, pretas e cinza). O estilo é diferente das Speedgoat originais, que acho lindíssimas, mas é também interessante. O rocker bastante pronunciado dá-lhes um aspecto arredondado que até assenta bem. Nota-se que a Hoka esmerou-se nos detalhes. A pintura da meia sola, com o logo da Hoka, o esfumado da pintura na parte traseira da meia sola. A cor contrastante das zonas reforçadas. Desde o pormenor dos atacadores, com riscas de cor diferente até à traseira feita com material reflector, onde se destaca o logo SG. A única coisa que não fiquei convencido foi aquela mancha preta na parte da frente, muito quadrada e que, na minha opinião, poderia ter sido evitada.
Ao toque – A primeira sensação ao tirá-las da caixa é que são leves, muito leves em relação à altura da meia sola. Mas afinal? Elas estão cheias de ar ou quê? São suaves e maleáveis, os reforços dão aquela sensação de plástico, mas parece que desempenham bem a sua função. O material da meia sola é muito mole, muito mole mesmo.
No pé – Hum…tendo vindo dumas Altra, as Speedgoat 2 são apertadinhas, especialmente na zona dos dedos, mas ok, nada de preocupante.
Primeiros passos – Fluffy… para estas vai ser necessário algum tempo de adaptação, molinhas, molinhas. E leves, bastante leves.
No Terreno
Não Gosto Disto!!!!!! Foi a minha primeira reacção. A altura e moleza da meia sola dão uma certa sensação de instabilidade. Mesmo sendo aparente, essa “instabilidade” fez com que a adaptação à sapatilha tenha sido um nadinha mais longa do que eu pensava de início. Levou algum tempo até ter a confiança para atacar os terrenos mais técnicos, mas quando ela chegou revelaram-se umas sapatilhas bastante divertidas, e relativamente competentes.
E começamos por aí, a “instabilidade”. Depois de me acostumar à altura e amortecimento da meia sola, a inicial sensação de instabilidade foi desaparecendo e foi suplantada pelo conforto que se sente ao correr com as Speedgoat. Assim, aos poucos fui ganhando confiança para me aventurar um pedacinho mais, sem grande preocupações de como iria colocar o pé em terrenos mais técnicos. Claro que é sempre preciso cuidado, especialmente nos apoios laterais, onde a altura da meia sola não ajuda a manter os pés estáveis. Mesmo assim, apenas por uma vez tive uma ameaça de torcer o tornozelo, mas mais por azelhice minha que por falha das sapatilhas.
Conforto – Como não podia deixar de ser, numas Hoka, o conforto é muito bom. E mesmo depois de correr muitos quilómetros os pés não ficam muito “massacrados”, não são umas pantufas, mas não ficam muito atrás. É especialmente divertido descer com elas! O conforto da meia sola convida a acelerar nas descidas e o drop baixo (5mm) evita que se aterre muito com o calcanhar. Essa mistura, aliada à sola Vibram Megagrip é quase fantástica. Ainda acerca do conforto uma palavra para a língua. Bem acolchoada, permitindo apertar os atacadores (planos) o quanto desejarmos sem magoar. No entanto, essa língua é demasiado curta, e por isso não permite que usemos o segundo buraco para passar os atacadores, sob pena de apertarem directamente no peito do pé por passarem por cima da mesma. Outro ponto negativo é que a língua mexe-se para o lado durante a corrida. Não chega a incomodar, mas, que se move, move. Os atacadores planos permitem um aperto bastante sólido e não alargam em corrida.
O ajuste é bastante bom, o calcanhar e o meio pé ficam bem presos. A zona dos dedos fica um nadinha mais larga, mas o pé não se mexe. Apenas em descidas mais íngremes senti os dedos encostar na frente, mas também isso pode ser por causa da sapatilha estar um pouco justa já que comprei o número que normalmente uso e se calhar não se perdia nada em comprar um número acima.
Transpirabilidade – As Speedgoat 2 não são umas sapatilhas quentes e quando molhadas secam relativamente rápido.
Protecção – Com esta altura de meia sola é quase uma não questão. Não podemos andar aos pontapés nas pedras, mas também não necessitamos de nos preocupar demasiado.
Sola – Vibram Megagrip, com todas as suas qualidades, e defeitos.
Tacos multidireccionais de 5mm, alinhados na frente para dar impulso e na traseira para travar. Não é, na minha opinião, a aplicação mais feliz desta sola. Não que tenha escorregado mais do que o normal com ela, mas já senti mais confiança com outros modelos de sapatilhas que usam Megagrip. Pode ser o conjunto meia sola / sola, pode ser a forma dos tacos, não sei explicar, a sola agarra bem, mas não é excelente. Especialmente nas subidas em terreno mole e húmido falta-lhe um pouco de grip. Em lama agarra mal, tacos pequenos e relativamente juntos é uma boa receita para agarrar lama, ainda mais Vibram Megagrip que tem a fama (e o proveito) de não soltar bem lama.
Durabilidade – Decepcionante. A maior parte das minhas sapatilhas estão como novas. Isso deve-se à minha (pouca) velocidade nos trilhos, e na estrada. A sola gasta-se mas a parte de cima está como nova.
No caso das Speedgoat, e com pouco mais de 100 km, a união entre a meia sola e o upper, na frente, começou a abrir. Ainda não é muito notório, mas mesmo assim é preocupante devido à pouca quilometragem. A sola está tão nova como no primeiro dia. Apenas se notam as linhas de esmagamento na meia sola, uma coisa perfeitamente normal, ainda por cima sendo eu pesadito.
Conclusão
As Speedgoat 2 são um caso de sucesso e têm se vendido mais do que pãezinhos quentes. Basta olhar para as sapatilhas do pelotão de trail, pelo menos aqui na Madeira, para adivinhar um caso de sucesso comparável ao das La Sportiva Ultra Raptor há uns anos. Quanto a mim, hum… Eu queria gostar (ainda) mais das Speedgoat 2!!!!! Umas sapatilhas com bastante amortecimento, muito confortáveis e uma sola Vibram Megagrip, que embora não seja das melhores implementações desta sola, não compromete. Se a isso juntamos a sua ligeireza, poderíamos dizer que estávamos perante a “sapatilha perfeita para ultras”. Mas não é bem assim. A altura e suavidade da meia sola promovem uma certa instabilidade, mais aparente que real é certo, mas que leva a um período de adaptação, e que mesmo assim pode não ser para todos os atletas. A durabilidade deixa algo a desejar havendo vários casos de trocas de sapatilhas com pouco mais de 100 kms. Mas uma coisa é certa, a diversão quando saímos com elas é garantida, são vistosas e a sensação de ter duas almofadas debaixo dos pés é muito agradável. Ainda por cima agarram bem!!!!! Se ao menos elas durassem…