É por acaso que a minha segunda review de sapatilhas seja dumas Altra. Não é de forma alguma um indicador do meu gosto pela marca, não não 😉
As Lone Peak foram a minha introdução ao ZeroDrop (em trail) e comprei-as por um feliz acaso. Tinha encomendado as Altra Olympus 2.0 numa loja online portuguesa que entretanto fechou. Por um engano, as Olympus já não estavam disponíveis, mas “ofereceram-me” as Lone Peak em substituição.
As Lone Peak são o modelo de mais sucesso de trail da Altra e encontram-se no top 5 de modelos mais vendidos nos Estados Unidos. Isto por serem as sapatilhas de trail mais polivalentes da marca. Servem para tudo, desde caminhar a correr um ultra trail, passando por umas corridas em asfalto, tudo isso no máximo do conforto possível.
Nomes, números e factos
Como é normal nas marcas, a Altra também dá um nome diferente a cada tecnologia que põe nas sapatilhas, e assim sendo…
ZeroDrop – As Lone Peak não têm diferença de altura entre o calcanhar e a ponta do pé como é comum em quase todas as outras marcas.
FootShape – Como o nome indica, é a forma da sapatilha que imita a forma do pé, mais estreito no calcanhar e mais largo (muito mais largo) na zona dos dedos, acabando na frente estilo quadrado e não em cunha.
A-Bound – Composto feito a partir de materiais reciclados, mais duro que o EVA da meia sola, e que está colocado logo acima desta, de modo a proporcionar mais estabilidade e retorno de energia na passada.
Medial Impact Shield (MIS) – Reforço em volta de toda a sapatilha, mais elevado no calcanhar, que serve para dar mais protecção e estabilidade lateral.
Stone Guard – Placa de protecção colocada entre as duas camadas da meia sola, para proteger o pé das rochas e demais saliências do terreno.
GaiterTrap – Tira de velcro situada no calcanhar para fixar polainas.
TrailClaw – Desenho da sola a imitar um pé, com os tacos mais duros posicionados debaixo dos metatarsos e os mais macios, em forma de garra, à frente destes.
MaxTrac – Borracha desenvolvida pela Altra que, segundo a marca, proporciona um agarre excelente em todo o tipo de terreno.
Altura do pé ao solo – 20mm de meia sola aos quais acrescentamos 5 mm de palmilha. Conforto para o que der e vier.
Tamanho – Como é normal na Altra, é um nadinha pequeno, por isso deveremos escolher um número acima do que usamos normalmente.
Peso – À volta das 300g para um 44.
Primeiras sensações
Ao tirá-las da caixa, ou mesmo antes, ao abrir a caixa, pode contar com um choque visual (para quem não está habituado) especialmente por causa da forma da frente da sapatilha, bastante quadrada e larga. Leva um certo tempo a nos acostumarmos, é verdade, mas depois achamos perfeitamente normal essa forma mais larga. Também ajuda o facto das Lone Peak não serem as sapatilhas com a forma mais larga da Altra, porque o impacto ao tirar umas Paradigm da caixa é muito mais forte. Aliás, a “estreiteza” das Lone Peak 3.0 comparada com as versões anteriores tem sido uma das queixas do público americano.
Quando as calçámos e damos os primeiros passos… UAAUUUUUU, então era isto??? As sapatilhas são do mais confortável que já calcei, de sempre. É como andar sobre um colchão, ou melhor, dentro de um colchão, porque não é só a meia sola e a sola, a sapatilha é toda almofadada, da sola, à língua, passando pelas laterais. É uma sala.
Claro que a sensação do ZeroDrop, para quem não está habituado, é estranha. Nos primeiros instantes, parece que alguma coisa não está bem, e que vamos cair para trás, mas essas percepções passam rápido. Oxalá a adaptação do corpo fosse assim tão rápida, mas nem tudo são rosas. Por isso, lembrem-se, é preciso tempo para nos adaptarmos ao ZeroDrop, cerca de seis semanas segundo a Altra, começando devagar e com percursos curtos e ir aumentando gradualmente.
O FootShape também pode gerar algumas dúvidas em relação ao ajuste, por causa da largura na zona dos dedos do pé. Não se preocupem, da maneira como o meio pé e o calcanhar ficam ajustados, e com a força que conseguimos apertar os atacadores, que são planos e não desapertam, ficando sempre confortáveis por causa da grossura da língua, o pé não se move nem para a frente nem para os lados. Apenas em apoios laterais extremos senti o pé mexer, ou melhor, a meia sola ceder ao apoio lateral, por ser tão mole.
No terreno…
“Nunca ir para uma prova com umas sapatilhas novas” – Sempre tinha ouvido dizer isso, mas teimoso como sou decidi arriscar e fazer o Trail Longo do Porto Moniz de 2017 com as Lone Peak 3.0 acabadinhas de chegar. Já tinha feito meia dúzia de quilómetros com elas, em estrada e terreno fácil, por isso enchi-me de coragem e lá fui eu. Como já seria de esperar a subida para o Fanal deixou as suas marcas nos gémeos, devido ao ZeroDrop, que requer mais trabalho dos músculos para subir. “Lindo serviço”, pensava eu naquela subida infindável. “Amanhã vais estar bonitinho, vais”. Chegou à parte da descida… Assim sim, o ZeroDrop realmente ajuda a descer, forçando o pé a aterrar mais com a frente e menos com o calcanhar dando mais controlo na descida. Estava a adorar a sensação, até decidir travar numa rampa de lama. Escusado será dizer que deu erro, e lá ficou Alexandre estendido a ver o céu. A culpa não foi das Altra ou da sua sola, mas da minha falta de jeito. Naquela situação, nem uma âncora faria com que eu ficasse de pé. Onde as Lone Peak brilharam mesmo foi na descida para a Ribeira da Janela, onde uma semana antes tinha ficado com os pés a doer por causa dos impactos, naquele dia ia nas nuvens, e cheguei ao Porto Moniz ainda nas nuvens, cansado, muito cansado, mas os pés davam para fazer mais uma volta.
Amortecimento – Do melhor que já experimentei. Muito amortecidas mas sem dar aquela sensação que estamos completamente afastados do terreno. Continuamos a sentir as irregularidades, as raízes e as pedras debaixo dos pés, mas é tudo molinho e confortável, muito confortável.
Estabilidade – Umas sapatilhas tão moles e com tão pouca estrutura como as Lone Peak poderiam dar a entender que fossem pouco estáveis, mas não é o caso. Como adaptam-se bem ao terreno é fácil manter o pé estável, de qualquer maneira não custa nada ter uns tornozelos treinados.
Protecções – As Lone peak 3.0 são bastante bem protegidas na sola, quer pelos 25mm em relação ao solo, quer pela placa StoneGuard, podemos andar sobre o que quer que seja que não chega nada a dentro, sente-se o terreno, mas não ao ponto de magoar. Na frente, também a protecção na biqueira é mais do que suficiente para prevenir umas unhas negras. Em relação aos lados, o MIS protege o pé relativamente bem, mas não convém fazer tangentes a pedras muito afiadas, porque essas chegam mesmo a dentro. Como referi anteriormente, as sapatilhas são mesmo bastante molinhas.
Sola – A sola das Lone Peak 3.0 é bastante competente numa variedade de terrenos e tem uma excelente tracção desde que o piso esteja seco, tanto a descer como a subir. Quando o piso está húmido também não se porta mal, não é Vibram ou Continental, mas não deixa os seus créditos por mãos alheias, mesmo no nosso famoso cerro, a sola defende-se bem. O problema é em rocha molhada, especialmente na transição da rocha molhada para rocha seca. Não é que agarre muito mal em rocha molhada, mas naqueles dois primeiros passos ao passar do molhado para o seco é preciso ter cuidado, porque o agarre é mesmo mau. Em lama os tacos de 4mm não fazem milagres, vamos patinar um pedacinho, mas nada de muito grave. A lama depois solta-se com relativa facilidade.
Impermeabilidade e Transpirabilidade – estas não são umas sapatilhas muito transpiráveis, o que quer dizer que não secam muito rápido, nada de muito drástico mas nota-se um tempo de secagem um pedacinho superior a outras sapatilhas (a nova versão 3.5 vem com uns furos para facilitar a saída de água), em compensação também não são muito permeáveis e água dificilmente entra. É o preço a pagar por serem tão acolchoadas, mais tecido, menos transpirabilidade. No entanto, nunca as senti quentes.
Durabilidade – Excelente. Com quase 200 km entre treinos, provas, caminhadas e dia-a-dia, estão como novas. A sola não apresenta desgaste nenhum. E na parte de cima, o único sinal de uso são as “dentadas” na meia sola de quando passei muito perto dos obstáculos.
Conclusão
Se a Altra tivesse montado uma sola Vibram Megagrip nas Lone Peak 3.0, eu não usaria outra coisa. Não são perfeitas, mas andam lá perto.
Parabéns Altra!!!!
Alexandre Vieira – alex@aguentaquevai.com