Trail do Cristo Rei 2016

Resolvi aceitar o “desafio” do Ricardo Gonçalves e escrever uma crónica duma viagem do “Alexandre o Grande” (o nome não tem nada a ver com o peso, segundo ele) e a viagem escolhida foi o II Trail do Cristo Rei. De salientar que a única coisa que eu escrevo bem é o meu nome, por isso, desculpem qualquer coisinha. Mas aqui vai :)
O dia começou com o despertador logo às 6 da manhã. Pensei: “Já????” Mas ok, estava na hora de ir se levantando, para comer qualquer coisa. O pequeno-almoço de dia de prova foi 1/4 de bolo do caco com manteiga de alho e uma chávena de café, com uma pinga de leite e bastante açúcar. Afinal eu iria precisar dos hidratos e dos açúcares para subir até até à Camacha. Boa desculpa eu sei, mas assim não me sinto culpado de comer aquilo logo pela manhã.
Bem, hora de caminhar, dou um beijinho à Carina, ainda ensonada, que deseja-me boa prova. Digo até logo aos gatos, que olham para mim com um ar estranho, como sabendo onde eu ia me meter, de novo.
Estacionei ao pé do Galomar, onde vi passar por mim, a pé, o Marcio Gomes e um outro atleta do Porto da Cruz Trail Team. Penso cá para mim: Eles não vão a pé até ao Cristo Rei pois não? Mais tarde veio-se a verificar que tinham mesmo ido a pé.
Entro no autocarro, depois de ter cumprimentado os presentes e ter falado um pedacinho com o Marco Barros (parabéns pelo filhote) e, tentando controlar o nervoso miudinho, espero pelo arranque.
Chegando ao Cristo Rei, qual a primeira coisa que vejo? O Marcio Gomes e companheiro a chegar. Afinal sempre tinham vindo a pé. Um bom aquecimento vendo bem.
Parte da descida foi a pensar, como tantos outros pensaram de certeza, mas que lógica tem isto? Descer isto tudo para voltar a subir? Não seria mais fácil esperar aqui pelo Marco Silva ou pelo Ricardo Gouveia? Eles vão ganhar na mesma! E para mim toda a vantagem era bem vinda.
Entretanto encontro o Luis Santos e o resto da descida foi feita a conversar esquecendo-me do anterior pensamento.
Chegado lá abaixo, faço o aquecimento com o Luis terminando mais cedo do que ele. Estava calor demais para aquecer muito. Encontro o João Fernandess e o Duarte Fernandes e encaminho-me para a “caixa” com eles. Provavelmente seria a última vez que os veria até à meta.
Já na “caixa” ainda falo com o Duarte Pereira, que me deseja boa sorte. Ainda há tempo para ouvir as recomendações responsável da prova, acerca da ética das ultrapassagens e da tecnicidade da Levada dos Moinhos ou do Caniço (nunca soube bem o nome daquela levada).
5, 4, 3, 2, 1 Partida. Desejo boa sorte aos meus dois companheiros (Duarte e João) e partimos. Os primeiros metros da subida foram feitos a trote, mas depois abrandei o passo, afinal era para chegar com algum fôlego á estátua. Logo à minha frente o Duarte Pereira, subiu aquilo tudo a trote. Duas ou três curvas acima, vejo o Hugo Silva a descer, com o seu monociclo e as GoPro’s no capacete, que me deseja: “Força Alexandre”
14 minutos depois chegamos ao fim da subida do Garajau e somos recebidos pela Claudia Faria e pelo grupo dela com palmas e incentivos, logo à frente, estavam o Jose Navarro, o João Almeida (não vi a Carmo Almeida, mas também deveria estar por lá), e a Cláudia Nóbrega também a incentivar o pessoal. Obrigado a vocês todos pela força, vale muito :)
Voltinha à estátua, ou melhor, um pouco antes da estátua, onde houve ainda houve uma pequena desavença entre uma atleta e um responsável, nada de importante, e seguimos para a subida da Estrada Nova do Cristo Rei, onde encontrei o João Pupo Correia a quem desejei boa prova, em direcção ao ribeiro onde caí o ano passado no reconhecimento. Este ano não caí, mas fui devagarinho, o que fez o João Fernandes, que me tinha acompanhado até aqui, descolar um pedacinho.
Voltei a “apanhar” o João na curva dos Galinheiros, em grande parte devido a ele se ter enganado momentaneamente no caminho. A partir daí, e por uns quilometros, o João foi o meu companheiro de viagem. Logo à frente, no túnel de escoamento da via rápida, demos com o Ricardo Gonçalves, à la papparazzi, à espera do pessoal, que tinha de meter a tracção às 4 para subir as escadas de ferro. E ainda veio atrás de nós, sim sim, que isto em plano “é para correr, não para andar”

Tracção às 4 – Fotografia Ricardo Gonçalves

Abastecimento 2 – Comi umas passas e uma rodela de limão, não havia vontade de comer nada mais sólido, e bebi isotónico, e entramos na Vereda do Relógio de Água que nos levaria ao início do Desafio SPAR.
Evidente que o Desafio SPAR não era para mim. Ainda se tornou mais evidente quando olhei para cima e vi, a se perder de vista, um monte de camisolas coloridas. Olho para trás, à procura dos vassouras e ainda vejo algumas camisolas, incluindo a Alexandra Pires, a quem desejei boa prova.
E como para a frente é que é o caminho, lá enfrentamos aquela subida infindável. Nessa subida aconteceu-me um pouco de tudo, fui beber e engasguei-me, e com um fotógrafo a meia dúzia de metros acima (espero que ele não tenha tido tempo de disparar), depois tomei magnésio e aquilo fez-me uma papa na boca, fui engolir “a seco” e arranhou-me a garganta. Pensei cá para comigo: “Isto não vai dar contas certas”. Fui ultrapassado pelo Senhor Élvio dizendo: “deixa-me aproveitar agora enquanto tenho força, que depois na descida vou mais devagar”. Aproveitei a boleia e separei-me do João, que estava subindo mais devagar, mas sabia que daqui a nada, quando começasse a descida ele já me apanhava com o seu já típico “Alexandre já estou aqui”
Chegados às Eiras entrámos no trilho de BTT onde encontrei pela segunda vez o Hugo Silva, que me disse que os primeiros estava mesmo logo em cima, hehehe. Aí ouço uma voz conhecida dizer uma coisa do tipo “menos paleio e mais corrida” e vejo o Patricio Sousa de câmara fotográfica. Lá tento fazer a minha melhor cara de foto, cumprimento o Patricio, que me incentiva e sigo subindo.

Mais acima, a caminho da Levada da Serra, o relógio apita e recebo uma mensagem da Carina: “Força Amorinho”. Foi o tónico que faltava na altura porque as forças já não estavam a 100%. O segundo tónico veio pela mão dum monte de turistas que encontrei na Levada da Serra, todos a sorrir, a aplaudir e a apoiar. Com isto tudo acabei fazendo a levada a correr. Finda a levada, e chegando ao Moisés, parecia que havia arraial, um mar de gente em frente ao bar, e uma senhora a indicar o caminho e a mandar as pessoas se afastarem. Segui em frente para depois voltar à direita, logo após a casa das bicicletas, e descer para um dos trilhos que mais gostei do percurso, um trilho pequenino que passava ao lado duma ribeira, muito verde e coberto de árvores.
Com isto tudo, dou por mim na Camacha, a caminho do 3º abastecimento, no qual foi recebido pela Sonia Goncalves e por mais uma senhora, que foram muito prestáveis e que me ajudaram com as garrafas de água. De salientar que cheguei a este abastecimento bastante desorientado, se calhar devido ao calor e ao cansaço, e a ajuda delas, assim como os incentivos, foram preciosos. Duas coca-colas depois estou quase recuperado.

A partir daqui seria tudo a descer, ou quase tudo. Dirijo-me à vereda por detrás da esquadra velha da Camacha, onde vejo uma senhora a fotografar, passo por ela, dou bom dia e encaminho-me para a escadaria que me iria levar, eventualmente, à Levada dos Tornos. Logo antes da Levada dos Tornos encontro um atleta em sentido contrário, a subir as escadas, e pergunto: “Amigo? Em sentido Contrário?” ao que ele responde: “Ali em baixo tem túneis e eu sofro de claustrofobia, vou procurar outro caminho e continuo o percurso lá em baixo”. Pensei que ele iria desistir, e continuei o meu caminho para os Tornos. Túnel dos Tornos. Lanterna na cabeça. Pilhas fracas. Soltei dois ou três palavrões por não ter verificado as pilhas e pensei que seria melhor ter levado uma vela e fósforos, o efeito seria o mesmo. A luz era muito ténue mas lá deu para passar o túnel, sem ver bem o chão e pisando todas as poças de água/lama possíveis. Mas afinal, isto é trail, se chegar a casa com as sapatilhas limpinhas, a Carina ainda vai desconfiar por onde andei. Saio do túnel, ainda chateado comigo, mas mais calmo, desço a pequena vereda até á estrada e dou com um casal e uma criança vestidos com roupas de praia. Dou bom dia e não consigo evitar uma certa inveja sabendo que iam para a praia e eu tinha uma subida pela frente debaixo daquele calor infernal.
Entrei no Caminho dos Salgados, que foi feito a maior parte a passo, por causa do meu receio das descidas. Ainda por cima esta descida é inclinada e o chão é de pedra, por isso, vamos com calma. Tinha a certeza que seria aqui que o João me apanharia, mas em vez dele apareceu-me outro atleta a pedir passagem. Acedi e só o voltaria a ver na Levada do Caniço, quando ele parou para refrescar a cabeça na levada. Parei atrás dele e perguntei se estava tudo bem, ele disse que sim, e que estava a aproveitar a água da levada que aquilo era ouro. Passei por ele, e a partir daí, maior parte da levada foi feita sozinho e a correr, onde dava, porque como o Hugo Marques diz, “isto depois de começar a doer, correr ou andar dói o mesmo”. Mais para o fim da levada é que encontrei um casal da prova de 10K que me cederam passagem e me desejaram boa prova. Antes disso ainda tive tempo de tropeçar e soltar mais dois palavrões, mas ainda não foi desta que caí.

Fim da Levada e chegada ao Bar o Moinho, pensei: “está quase Alexandre”. No abastecimento estava o Filipe Custodio a e Catarina que me informaram que faltavam 4 Kms, enchi as garrafas de água, tomei isotónico, comi um quadradinho de bolo de laranja e pus-me a caminho da Tendeira. Logo abaixo, fui ultrapassado por uma atleta da minha prova e encontrei um grupinho atrasado da prova de 10K. Tive uma certa dificuldade em ultrapassar a senhora da cauda do grupo devido a esta ir ao telemóvel, numa conversa animada, tapando o trilho todo, e não prestando atenção ao meu pedido de cedência de passagem, só quando o trilho alargou lá consegui o meu intento. Logo em seguida, dou pelo Patricio, ainda de máquina fotográfica, que me disse que pensava que eu tinha desistido devido a nunca mais aparecer. Engraçadinho, humpft. Aproximo-me do resto do grupo e qual a minha surpresa quando um atleta do mesmo vira-se para mim e diz: “Eu não disse que ia encontrar outro caminho e voltar ao percurso?”. Sorri para ele, ainda meio incrédulo, pedi licença e passei-os. Próximo passo, Tendeira.
Chegado à Tendeira, atravessei a estrada e segui em direcção ao “quintal da vizinha”, pelo menos é assim que eu conheço a vereda logo antes da ponte sobre a via rápida. Atravesso a ponte e dou com a Fátima Pereira, visivelmente em dificuldades. Pergunto-lhe se precisa de ajuda, e se dá para aguentar. Ela diz que sim, e então seguir o meu caminho em direcção à Atalaia. Logo abaixo apanho o Presidente da Câmara de Santa Cruz, bastante devagar. Pergunto se está tudo bem ao que ele responde que tinha rebentado com o joelho e nas descidas não estava a correr muito bem. Aconselhei-o a manter as pernas leves, foi o que me pareceu mais acertado, despedi-me dele e continuei. Estava na parte do percurso em que antevia mais dificuldades, por causa do calor e de ser tudo a descoberto, mas a ligeira brisa que vinha do mar, ajudou a refrescar, tanto o corpo, como a mente.

Estava na hora de subir a Atalaia. “Isto vai doer” pensava eu. Ingeri uma bisnaga de comida de bebé, bebi água, apontei para o cimo, e lá vou eu. Chegado ao topo, começa a descida, em cima de pedra solta e só me lembro das palavras do Lilio Abreu no reconhecimento: “não traves em cima disto, se travas não tens hipóteses, vais sempre”. Assim fiz, mas, logo à minha frente iam duas raparigas que não ligaram aos conselhos do Lílio e travaram. E lá uma delas foi com o rabo ao chão, nada de grave.
Descida para o Portinho e encontro mais um casal. “este é o trail dos casais” pensei eu. Cumprimentei, pedi licença e dirigi-me à praia. Trepo para o muro de pedra do Portinho e olho em frente. A subida para os Reis Magos estava com algum trânsito, mas com o tempo que levaria a lá chegar provavelmente já estaria desimpedida. Atravesso o muro, salto para o outro lado e apanho um casal de estrangeiros (de fora da ilha, mas portugueses) a vir na direcção contrária. Começo a subir: “esta é a última subida dura, finalmenteeeeee” penso alto e com um sorriso de alívio.
Quase no topo, olho para trás a ver quem eram os meus “stalkers” e, já na subida, vejo o casal que tinha ultrapassado, e mais atrás, no muro do Portinho vejo a Alexandra Pires e logo atrás o João Fernandes. “Mas? Com esta descida toda, o João não me apanhou? Alguma coisa se passou de mal!”. Voltei a me concentrar e experimentei um troteligeiro na vereda. E não é que consegui? Fiquei contente. Afinal ainda dava para correr.

Na descida para os Reis Magos (alcatrão) não deu para correr muito porque com aquela inclinação, as pernas já não estavam para fazer muita força para travar. Em seguida, Promenade dos Reis Magos onde encontro o Hélder Gonçalves que me diz que já estava quase. Mas aquele quase custou!!! A promenade parecia ter uns Kms valentes e a veredazita que vai ter à estrada de cima outros tantos. Mas lá subi. Afinal esta sim era a última subida, sem contar com a do Galomar. A partir daí fui encontrando os atletas que ja tinham terminado que me foram dizendo que já estava a acabar e me dando força.

Fotografia Ricardo Gonçalves

Logo antes da recta final, ou da curva final, encontro de novo o Ricardo (o responsável moral por esta crónica) que me tira mais um retrato, acompanhado pelo José Navarro e pela Cláudia Nóbrega. Entro na descida para os hotéis e, agora sim, estava a acabar. Estava a completar mais um desafio, e dentro do tempo que me tinha proposto fazer, 4 horas. Cheguei à meta com 4 horas e 1 minuto :)
No final ainda encontrei os cunhados e cunhadas, que tinham feito a prova de 10K (cunhadas Lúcia Abreu e Ana Rita Barreto Silva a correr e cunhados Claudio Abreu e Joao João Faria a ver) e a Matilde Abreu e a Alicia Faria que tinham feito o trail júnior, assim como o Matias, que estava tirando fotos. O futuro do trail na família parece está assegurado. Ainda tive tempo de falar com vários atletas, e a opinião geral era a mesma que eu tinha e tenho. O trail do Cristo Rei é durinho!
Depois de ter feito no ano passado a prova de 14Km, e tê-la achado bastante dura, pela subida, pelo calor, e por ter me sentido mal, os 23K deste foram uma agradável surpresa. Continuam a ser duros, continua a estar muito calor, mas os trilhos compensam, e de que maneira.

Os meus parabéns à organização que nos mostrou que é possível arranjar trilhos bonitos e desafiadores numa zona mais urbana.
E parabéns a todos os que correram, foram voluntários ou simplesmente espectadores, tornaram a prova mais bonita.
Próximo desafio, Porto da Cruz Trail Natura. Um ano depois de ter feito o meu primeiro trail :)

Alexandre Vieira